sexta-feira, 12 de março de 2010

Bullying a professores

Na manhã de 9 de Fevereiro, L. V. C. parou o carro no tabuleiro da Ponte 25 de Abril, no sentido Lisboa-Almada. Saiu do Ford Fiesta e saltou para o rio. Há vários meses que o professor de música da Escola Básica 2+3 de Fitares (Sintra), planearia a sua morte. Em Novembro escreveu uma nota no computador de casa a justificar o motivo: "Se o meu destino é sofrer, dando aulas a alunos que não me respeitam e me põem fora de mim, não tendo outras fontes de rendimentos, a única solução apaziguadora será o suicídio".

L. V. C., sociólogo de formação, tinha 51 anos, vivia com os pais em Oeiras, era professor de música contratado e foi colocado este ano lectivo na Escola Básica 2+3 de Fitares, em Sintra. Logo nos primeiros dias terão começado os problemas com um grupo de alunos do 9º ano. A indisciplina na sala de aula foi crescendo todos os dias, chegando ao ponto de não conseguir ser ouvido. Dentro da sala, e ao longo de meses, os alunos chamaram-lhe careca, tiraram-lhe o comando da aparelhagem das mãos, subindo e descendo o volume de som, desligaram a ficha do retroprojector, viraram as imagens projectadas de cabeça para baixo.

Houve vezes em que L. V. C. expulsou os alunos da sala, vezes em que fez participações disciplinares. Foram pelo menos sete as queixas escritas que terá feito à direcção da escola, alertando para o comportamento de um aluno em particular. Colegas e familiares do professor de música asseguram que a direcção não instaurou nenhum processo disciplinar.

O i tentou confirmar esta informação, mas a directora do agrupamento escolar, Cristina Frazão, explicou que só prestaria esclarecimentos mediante autorização da Direcção Regional de Educação de Lisboa. Contactada pelo i, a entidade não respondeu até ao fecho desta edição. A Inspecção-Geral de Educação, também contactada pelo i, remeteu o caso para o Ministério de Educação que, por seu turno, não prestou esclarecimentos.

O i teve acesso a uma das participações feitas pelo professor de música. No dia 15 de Outubro de 2009, L. V. C. dirigiu à direcção da escola uma "participação de ocorrência disciplinar", informando que marcou falta disciplinar a um aluno e propondo que fossem aplicadas "medidas sancionatórias". Invocou vários motivos, entre os quais "afirmações provocatórias", insultos ou resistência do aluno em abandonar a sala.

O professor de música desabafou que não suportava mais dar aulas àquela turma do 9º ano: "Nos últimos meses, já se acanhava perante os seus alunos como se tivesse culpa", explicou ao i um familiar. Atravessar o corredor da escola foi um dos seus pesadelos, é aí que os alunos se concentram quando chove: "Um dia, chamaram-lhe cão." Nos outros dias, deram-lhe "calduços" na nuca à medida que caminhava até à sua sala de aula.

Alguns professores testemunharam a "humilhação" de L. V. C. nos corredores da escola e sabiam que se sentia angustiado por "não ser respeitado pelos alunos". Só não desconfiavam que a angústia se tivesse transformado em desespero. O professor de música não falava com ninguém. Chegava às sete da manhã para preparar a aula. Montava o equipamento de som, carregava os instrumentos musicais da arrecadação até à sala. Deixava tudo pronto e depois entrava no carro: "Ficava ali dentro, de braços cruzados, e só saia para dar a aula." L. V. C. preferia estar no carro em vez de enfrentar uma sala de convívio cheia de colegas: "Era mais frágil do que nós, dava para perceber que não tinha o mesmo estofo."

Sentia os problemas de indisciplina como "autênticos moinhos de vento", conta o psicólogo que o seguiu nos últimos dois anos. L. V. C. tinha acompanhamento psicológico e psiquiátrico e era ainda seguido por uma médica de família: "Todos os técnicos de saúde que o acompanharam aconselharam uma baixa médica porque o seu quadro clínico se agravou", conta o especialista, esclarecendo que o seu paciente "tinha fragilidades psicológicas inerentes a ele próprio". Falhas que se deterioraram. Meses antes da sua morte, pensava com insistência que lhe restava "pouco espaço de manobra".

"Evitava expulsar os alunos porque temia parecer inábil perante a direcção da escola", diz o psicólogo. Fez ainda várias tentativas antes de se sentir encurralado. Mudou os alunos problemáticos de lugar, teve explicações particulares e aprendeu a trabalhar com as novas tecnologias aplicadas à música. Introduziu equipamento multimédia para cativar os adolescentes. Não resultou. Acabaram-se os trunfos. O psicólogo fez uma recomendação à médica de família para passar uma baixa ao seu paciente por "temer o pior". "Tentámos travá-lo, mas ele próprio já não queria parar. Só parou quando se atirou ao Tejo."

Fez ainda várias tentativas antes de se sentir encurralado. Mudou os alunos problemáticos de lugar, teve explicações particulares e aprendeu a trabalhar com as novas tecnologias aplicadas à música. Introduziu equipamento multimédia para cativar os adolescentes. Não resultou. Acabaram-se os trunfos. O psicólogo fez uma recomendação à médica de família para passar uma baixa ao seu paciente por "temer o pior". "Tentámos travá-lo, mas ele próprio já não queria parar. Só parou quando se atirou ao Tejo."

http://www.ionline.pt/conteudo/50698-professor-atira-se-da-ponte-causa-das-ameacas-dos-alunos

segunda-feira, 1 de março de 2010

Greve dos professores - 4 de Março

"Tudo isto torna expectável uma baixíssima adesão à greve por parte dos professores, embora tal não deva ser interpretado como um sinal de apaziguamento ou de satisfação da classe pelas parcas conquistas alcançadas, pelo que se torna fundamental repensar formas, estratégias e acções de luta para o futuro que sejam verdadeiramente unitárias entre sindicatos, movimentos e professores.
Este modelo de avaliação, o sistema de quotas, o actual modelo de gestão, as situações de precariedade de muitos docentes e o desemprego de muitos milhares de outros, deverão mobilizar-nos para a definição e a dinamização de uma convergência de vontades que ausculte e debata formas de luta, antes de as impor."

in APEDE

Escola armazém

Quando um aluno entra na escola às 8h e sai às 20h, tem pai/mãe em média 3h por dia. Que geração estamos a criar?

PUBLICO.PT

Contra a escola-armazém

Daniel Sampaio
Merece toda a atenção a proposta de escola a tempo inteiro (das 7h30 às 19h30?), formulada pela Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap). Percebe-se o ponto de vista dos proponentes: como ambos os progenitores trabalham o dia inteiro, será melhor deixar as crianças na escola do que sozinhas em casa ou sem controlo na rua, porque a escola ainda é um território com relativa segurança. Compreende-se também a dificuldade de muitos pais em assegurarem um transporte dos filhos a horas convenientes, sobretudo nas zonas urbanas: com o trânsito caótico e o patrão a pressionar para que não saiam cedo, será melhor trabalhar um pouco mais e ir buscar os filhos mais tarde.
Ao contrário do que parecia em declarações minhas mal transcritas no PÚBLICO de 7 de Fevereiro, eu não creio à partida que será muito mau para os alunos ficar tanto tempo na escola. Quando citei o filme Paranoid Park, de Gus von Sant, pretendia apenas chamar a atenção para tantas crianças que, na escola e em casa, não conseguem consolidar laços afectivos profundos com adultos, por falta de disponibilidade destes. É que não consigo conceber um desenvolvimento da personalidade sem um conjunto de identificações com figuras de referência, nos diversos territórios onde os mais novos se movem.
O meu argumento é outro: não estaremos a remediar à pressa um mal-estar civilizacional, pedindo aos professores (mais uma vez...) que substituam a família? Se os pais têm maus horários, não deveriam reivindicar melhores condições de trabalho, que passassem, por exemplo, pelo encurtamento da hora do almoço, de modo a poderem chegar mais cedo, a tempo de estar com os filhos? Não deveria ser esse um projecto de luta das associações de pais?
Importa também reflectir sobre as funções da escola. Temos na cabeça um modelo escolar muito virado para a transmissão concreta de conhecimentos, mas a escola actual é uma segunda casa e os professores, na sua grande maioria, não fazem só a instrução dos alunos, são agentes decisivos para o seu bem-estar: perante a indisponibilidade de muitos pais e face a famílias sem coesão onde não é rara a doença mental, são os promotores (tantas vezes únicos!) das regras de relacionamento interpessoal e dos valores éticos fundamentais para a sobrevivência dos mais novos. Perante o caos ou o vazio de muitas casas, os docentes, tantas vezes sem condições e submersos pela burocracia ministerial, acabam por conseguir guiar os estudantes na compreensão do mundo. A escola já não é, portanto, apenas um local onde se dá instrução, é um território crucial para a socialização e educação (no sentido amplo) dos nossos jovens. Daqui decorre que, como já se pediu muito à escola e aos professores, não se pode pedir mais: é tempo de reflectirmos sobre o que de facto lá se passa, em vez de ampliarmos as funções dos estabelecimentos de ensino, numa direcção desconhecida. Por isso entendo que a proposta de alargar o tempo passado na escola não está no caminho certo, porque arriscamos transformá-la num armazém de crianças, com os pais a pensar cada vez mais na sua vida profissional.
A nível da família, constato muitas vezes uma diminuição do prazer dos adultos no convívio com as crianças: vejo pais exaustos, desejosos de que os filhos se deitem depressa, ou pelo menos com esperança de que as diversas amas electrónicas os mantenham em sossego durante muito tempo. Também aqui se impõe uma reflexão sobre o significado actual da vida em família: para mim, ensinado pela Psicologia e Psiquiatria de que é fundamental a vinculação de uma criança a um adulto seguro e disponível, não faz sentido aceitar que esse desígnio possa alguma vez ser bem substituído por uma instituição como a escola, por melhor que ela seja. Gostaria, pois, que os pais se unissem para reivindicar mais tempo junto dos filhos depois do seu nascimento, que fizessem pressão nas autarquias para a organização de uma rede eficiente de transportes escolares, ou que sensibilizassem o mundo empresarial para horários com a necessária rentabilidade, mas mais compatíveis com a educação dos filhos e com a vida em família.
Aos professores, depois de um ano de grande desgaste emocional, conviria que não aceitassem mais esta "proletarização" do seu desempenho: é que passar filmes para os meninos depois de tantas aulas dadas - como foi sugerido pelos autores da proposta que agora comento - não parece muito gratificante e contribuirá, mais uma vez, para a sua sobrecarga e para a desresponsabilização dos pais.